
Desenho animado por Osmani Simanca (01/08/2017)
Em Junho de 2017, o cartoonista Osmani Simanca foi despedido do jornal brasileiro A Tarde
O cartunista cubano e naturalizado brasileiro tinha trabalhado para o jornal, o mais antigo do estado da Bahia e um dos mais antigos do Brasil, durante mais de 15 anos. Está no prelo desde 1912.
De acordo com o autor, ele não foi despedido por um desenho animado específico, mas pelas suas críticas ao governo de Michel Temer e seus aliados. Por outras palavras, para todos os seus desenhos animados em 2016.
Numa nota na sua página do Facebook, ele explicou que após a penúltima mudança na gestão do jornal, começou a ser questionado sobre o conteúdo dos seus desenhos animados, alguns dos quais foram censurados, e aproveitou para recordar algumas das doenças crónicas do jornalismo.
“É difícil ter liberdade sem independência económica. A maior parte da imprensa sempre dependeu da propaganda governamental. Isto não seria um problema se estes governantes não pressionassem os jornais e jornalistas, e se os jornalistas e jornais democráticos não se deixassem pressionar para escrever elogios ou críticas injustas. O nosso curso deve ser sempre definido pela ética e pela virtude, coisas raras nestes tempos sombrios, cheias de ódio e intolerância.
Joseph Pulitzer disse: “Uma imprensa cínica, mercenária e demagógica irá produzir um povo cínico, mercenário e demagógico.
Muitos desenhos animados rejeitados

Desenho animado de 22-11-2016, rejeitado pela direcção do jornal, com caricaturas (da esquerda para a direita) de Romero Jucá, Michel Temer e Geddel Vieira.
Estas caricaturas rejeitadas foram publicadas na altura com repercussões consideráveis noutros meios de comunicação social, e ele também assinalou que, durante algum tempo, os textos dos seus colegas tinham sido recortados, mas nunca as caricaturas. O desenho animado permaneceu“um pequeno oásis num deserto de tesouras“.

Vinheta rejeitada pelo jornal A Tarde em 21-11-2016
De acordo com Osmani, uma nova mudança na gestão complicou ainda mais a relação.
As pressões aumentaram ao ponto de eu ter de explicar o que era um desenho animado, e qual era o papel da sátira política numa sociedade democrática e na imprensa livre.
Perguntaram-me quem me deu as minhas ordens, ao que respondi que as ordens eram os factos, que pesquisei em profundidade, consultando várias fontes e colocando a minha opinião sob a forma de jornalismo gráfico, usando caricaturas políticas.
Fui então avisado para não tocar em certos assuntos e personagens, uma tarefa impossível no meio da podridão política e ética em que o Brasil se encontra.
Nota do primeiro autor 12 de Junho de 2017
Segunda nota, 19 de Junho de 2017
Entrevista com Osmani 
Quando o avisaram para não tocar em certos assuntos ou personagens… falaram sobre nomes de pessoas e assuntos específicos? Como é que argumentaram que “convite” para ficarem calados?
Eles normalmente não dizem a razão “oficial”. Começaram com dicas, depois tornaram-se mais directas: Temer, Geddel…o governo em geral. No final o que eles querem é que você se auto-censure. Você tem de ser firme.
como e quando foi informado do seu despedimento?
O editor-chefe disse-me em 9 de Junho de 2017, durante uma reunião no seu escritório. Não foi uma decisão pessoal, foi algo que aparentemente veio de cima. Do director-geral.
Este despedimento era algo que podia acontecer em qualquer altura. Um pouco mais de um ano antes de ser despedido, eu tinha tomado uma posição clara contra o impeachment da Presidente Dilma, considerando-o um processo político, sem qualquer prova. Uma verdadeira injustiça. O tempo provou que tenho razão. Os tolos são incorrigíveis.
qual foi a última banda desenhada publicada no jornal?
Aquele que eu tenho anexado.

que repercussões locais tiveram as suas notas sobre a censura e as pressões do jornal?
Eu recebi vários prémios e prémios pelo meu trabalho, publicados durante os anos em que trabalhei no jornal. A gerência e os novos investidores não faziam ideia das repercussões, ou provavelmente não se preocupavam com isso. A solidariedade que recebi foi enorme. Ouvi dizer que um grande número de leitores cancelou as suas subscrições.
o jornal deu algum tipo de explicação pública sobre o seu despedimento?
Não, ficou calado porque sabia que eu estava certo.
Durante 15 anos de desenhos animados, o jornal teve diferentes gestores e pelo menos quatro governadores no país. Com que gestores e governadores acha que tem sido mais difícil fazer o seu trabalho?
Durante os governos Lula e Dilma não houve nenhum problema com as minhas caricaturas a criticar os erros da esquerda. Sem dúvida, o trabalho tem sido mais difícil dentro dos jornais com o governo do usurpador, Michel Temer.
Também me pediram para não fazer caricaturas do presidente da câmara de Salvador, ACM Neto (Partido Democrátas), neto de um famoso caudilho baiano, que também não gosta de sátiras.
Coincidentemente, ele e a sua família têm um jornal que compete com o diário “A Tarde”, que não tem espaço para desenhos animados políticos.
Eu suspeitava, mas nunca imaginei, que haveria tantas direitas mal-humoradas no Brasil. Pode ser o efeito de uma falta de leitura, como disse Unamuno: “O fascismo é curado pela leitura”.
Liberdades em jogo
E a pergunta comum: Como pensa que é a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão no Brasil hoje em dia? Qual pensa que é a principal ameaça?
Quando há uma ruptura democrática através de um golpe, militar ou parlamentar, que é o novo estilo usado na América Latina para retirar um presidente eleito pelo voto popular, isto afecta profundamente a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão.

Se não houver mudança, a tendência é para que as coisas piorem. O Congresso Brasileiro é dominado por bandidos e vigaristas. Os evangélicos têm 197 lugares, de momento não são maioria.
O objectivo é eleger um presidente evangélico do Brasil no futuro. O Rio de Janeiro elegeu recentemente um prefeito desastroso da Igreja Universal do Reino de Deus, popularmente conhecida na América Latina como“Pare de sufrir“.
Se estas pessoas religiosas disfarçadas de políticos ou vice-versa tiverem uma maioria no Parlamento, elas porão em perigo o Estado secular e, consequentemente, outras liberdades serão suprimidas.
Actualização Setembro 2017
A Polícia Federal Brasileira encontrou na terça-feira 5 de Setembro malas e caixas cheias de dinheiroo dinheiro foi encontrado num apartamento que foi usado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, um antigo associado próximo do Presidente Michel Temer. Até agora, eles contaram o equivalente a mais de 10 milhões de euros.
Geedel foi preso em Julho por obstrução à justiça num caso relacionado com corrupção e acusado de tráfico de influência.
Acusado de receber um suborno de 20 milhões de reais em troca de empréstimos do banco público Caixa Económica Federal quando era vice-presidente da entidade, foi preso durante dez anos e desde então tem estado em prisão domiciliária.
Osmani desenhou este desenho animado relacionado.

Sobre o autor
Osmani Simanca nasceu em Santa Clara, Cuba, em 1960
Licenciou-se na Academia de Bellas Artes “San Alejandro” e no Instituto Superior de Arte de la Habana.
Ele começou a sua carreira como cartoonista em 1975, na revista humorística Dedeté, em Havana.
Os seus desenhos têm sido publicados em numerosas revistas e jornais de todo o mundo. Desde 1995 que vive no Brasil, onde obteve a sua nacionalidade
Desde 1987 recebeu vários prémios e participou em exposições em Cuba, Brasil, Itália, Irão, Grécia e Espanha.
Fonte: entrevista 2010 (PDF)
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